terça-feira, 16 de agosto de 2011

o que é bom?

O que é bom?
Ser humano nunca está satisfeito.
Se perguntarmos a um rico ele vai dizer que é ruim ser rico porque com muito dinheiro vem muitos problemas. Se perguntarmos a um famoso ele vai dizer que é ruim ser famoso porque a privacidade se vai com a chegada da fama. Se perguntarmos ao papa ele vai dizer que o ruim de ser papa é ser velho. Se perguntarmos ao escritor ele vai dizer que é ruim ser escritor porque não se ganha dinheiro. Se perguntarmos a um pobre ele vai dizer que é ruim ser pobre é que não se tem dinheiro para nada. Se perguntarmos a Obama ele vai dizer que o ruim em ser presidente é ter o seu traseiro caçado por terroristas o tempo todo. Ao Osama, ele vai dizer que os americanos estão na cola dele. Se perguntarmos a um professor ele vai dizer que os alunos relapsos são a parte ruim de ensinar. Ele também vai dizer que o salário não ajuda, se for um professor que se preze. Se perguntarmos ao Dalai Lama ele vai dizer que o ruim da profissão dele é a intolerância. Se perguntarmos ao lixeiro ele vai dizer que o ruim é o lixo. Se perguntarmos ao garçom de restaurante cinco estrelas, ele vai dizer que o ruim na profissão dele são os clientes. Dependendo do garçom, pelo menos os clientes que não dão gorjetas tão grandes quanto sua soberba. Se perguntarmos ao dono da sorveteria que pode comer quanto sorvete ele aguentar, na hora que quiser, ele vai dizer que o ruim no sorvete é a quantidade. À comissária de bordo bonitinha, que viaja o mundo todo, ela vai dizer que não consegue arrumar um namorado sério. Por que será? Se perguntarmos ao bonito ele dirá que não aguenta mais ser assediado por mulheres vazias, porém lindas (ou lindas, porém vazias). Se perguntarmos ao feio ele vai dizer que só consegue feia. O ruim mesmo em ser feio, na maioria das vezes é ser legal e inteligente. O funcionário público, estável na “carreira” dirá que não tem mais objetivos na vida. Sabe, desafios? Ao desempregado, ele vai dizer que o problema é a falta de oportunidade. Ao que tem três empregos, ele vai dizer que não consegue tempo para a família. A dona de casa vai dizer que o ruim é o marido. O marido vai dizer que o ruim é a esposa. Os filhos vão dizer que o ruim de ser filho é não poder dirigir o carro do pai. O empresário dirá que o ruim são os impostos, e o governo vai dizer que o problema são as dívidas herdadas da gestão anterior (como sempre). Até o marajá. Ele vai dizer que o ruim de ser trilhardário é o preço do barril de petróleo.
Tudo tem seu lado bom, mas o lado ruim às vezes é mais interessante. Faz a gente se sentir menos mal com os problemas alheios. Os nossos problemas são sempre os piores, mas os dos outros são mais fáceis de falar sobre. E você, qual o seu problema?

cruzamentos

Cruzamentos
O agricultor meche com a terra.
O que mais ela pode nos dar?
O mineiro escava por ouro.
Quanto ouro ele pode conseguir?
O motorista quer chegar logo em casa.
O que esperar do motorista?
A chuva vem chegando.
Quantos vão embora com a água?
O trânsito nunca vai parar.
Quando ele vai parar?
A cidade cresce.
Até que tamanho ela vai chegar?
O médico cura.
Quantos ele livrará da morte?
Por que sentir pena de alguém que morre?
Para muitos seria pura e simples liberdade.
O matador tira a vida por um preço.
Qual o preço do matador?
O ser humano é mau por natureza. Tirano, cruel, egoísta, dominador, caridoso.
Auto-destruição ou auto-postergação?
A natureza é grandiosa.
Ela se vingará um dia?
O mar sobe, o rio sobe, o lago desaparece, o açude seca.
O sacerdote fala ao povo.
Será salvo quem não sabe o que é Salvação?

Meu café tá sem açúcar

Meu café tá sem açúcar
Minha conta tá vazia
Minha gaveta tá cheia
de esperança e anestesia

Meu pé tá frio
Meu pai não tá aqui
O medo é companheiro
O jogo tá aí

Tô no sol, não tô na sombra
Não tenho lenço, não tenho tempo
Tô saindo ou tô entrando?
Tô na esquina, não tenho mais honra

Minha mãe saiu
Tô sozinho em casa
Ela ainda não voltou
E se o mocinho for bandido...?

E meu café tá sem açúcar



deserto

A quase ausência de sua sombra na areia indicava que o sol estava a pino. Já havia caminhado no mínimo seis horas sem parar, pois tinha visto o sol nascer naquela imensidão de dunas. As únicas coisas que o faziam lembrar-se de estar vivo eram o vento quente, a sede e a saudade daquelas margueritas que Don Claudio servia no bar. Era mais provável ser avistado por abutres ou outros predadores esperançosos do que por algum avião ou outro transporte que pudesse tirá-lo de lá, já que ninguém sabia que iria fazer essa viajem. Arrependia-se até o último fio de cabelo de ter entrado na situação, mas não podia fazer nada. A culpa era toda sua, havia planejado o roteiro com um ano de antecedência, comprado as passagens e tirado passaporte e visto. Tudo para realizar um sonho, não sabia que ia dar tão errado, também, quais as chances de o piloto do pequeno bimotor ter um ataque do coração e logo após o co-piloto morrer do coração por causa da morte súbita do piloto?
Caíra em algum lugar no deserto. Já não agüentava mais andar, fez as pazes com Deus, ou com quem estivesse disponível no momento, assistiu todo o filme sobre sua vida e com reprise. Deitou na areia, já não tão quente, caminhara o dia todo. Somente aguardava pelo chamado dela, a que todos chamam de morte.
Deitado no chão viu um escorpião sair de um buraco e vir em sua direção. Pensou “é agora”, mas o escorpião nem notou a sua presença. O que fazer?
Pensou em tudo o que fizera até então (mais nas boas ações) e em tudo que queria ter feito (inventou algumas coisas na hora). Esperou mais um pouco, agora uma víbora do deserto saía de sua toca. Chegou bem perto, olhou, cheirou e entrou na mesma toca que saíra.
Pensou no bar, no dinheiro que economizara para a viagem, “se tivesse gasto todo o dinheiro em bebida e mulheres não estaria nessa situação”. Agora já podia ver dois urubus, ou seria abutres, algo assim. Sabia que eles não atacavam, só esperavam a presa morrer e podiam cair na carne. Não estava morto ainda, mas tinha o consolo de que seria logo. Como seria?
Pensou em sua família, quer dizer os parentes que já não via há muito tempo. A mãe era doméstica, mas não queria mudar de vida. Não aceitou as propostas de vir morar com ele na cobertura. Os dois irmãos moravam a cinco mil quilômetros com suas respectivas famílias. Foi o único que ainda não tinha gerado herdeiros, sua mãe o cobrava muito por isso. “Preciso pensar um pouco mais na minha vida antes de ter um filho”, vivia dizendo à mãe e a todos que perguntavam. Os abutres foram embora. Parece que sua espera pelo fim seria mais longa do que imaginava.
Pensou em sua quase esposa, haviam sido noivos por quatro anos, não deu certo, ele trabalhava demais, ela disse que o largou por que ele trabalhava demais.
Anoiteceu, ainda estava deitado na areia, agora fria, pensando se demoraria muito para cair no sono eterno. Em momento algum pensou se haveria ou não vida após a morte. Agora veio o frio. O frio dói, sofreu. Considerou a hipótese de morrer de frio. Nesse momento lhe veio sua imagem aceitando a proposta da multinacional. Ganharia dez vezes mais trabalhando duas vezes menos, seu coração acelerou só com a lembrança, deu um suspiro.
Levantou, recompôs-se (não restava muita coisa). Sentou novamente, sentiu-se leve, aliviado, não sabia a razão. Lembrou que havia sido demitido da multinacional e processado. Deixara-se corromper. A viagem seria um recomeço. Uma vida nova. Havia quitado todos os seus débitos. Sorriu mais uma vez. O sol já vinha alto.
Dormiu novamente.