sexta-feira, 19 de agosto de 2011

culpa ou salvação

Resenha do Cap. 2 do livro “Protestantismo e Repressão” de Rubem Alves.
Disciplina: Filosofiada Religião

Culpa ou salvação?
Neste capítulo, Rubem Alves faz uma crítica ao cristianismo, mais especificamente, ao cristianismo Protestante. Ele é feliz ao afirmar que o ser humano quer, e precisa ter o controle sobre sua vida e sobre sua realidade. Prefere definir-se como autor de seu mundo, mesmo sem saber o tamanho do poder que tem para transformar sua vida e a vida de outros. Esse controle, essa sensação de controle e sua consequente satisfação seguem intactos, ou com apenas alguns arranhões que logo se vão, lavados com vaidade e com preguiça. A partir do momento em que perde a ilusão do controle, o ser humano é levado por um caminho escuro que vai da dúvida ao desespero. Da depressão ao assassínio.
Soma-se a isso a culpa. Culpa que nos acompanha antes do nascimento. A herança de Adão é o que nos torna cúmplices e tão culpados quanto ele, assim tomamos ciência de que temos um futuro terrível, longe do amor do criador, um futuro que não escaparemos nem mesmo com a morte, pois sabemos que após ela, temos contas a acertar com Ele.
O vazio que se cria, e que posteriormente continua existindo e crescendo não pode ser cheio (novamente?). O que foi senso de significação perde totalmente sua base, sua fundação, seu espírito. Emocionalmente falando, o ser perde sua capacidade de atribuir nome às coisas. No mais profundo inconsciente, não há palavra ou símbolo algum que possa novamente tornar lógico o andamento do mundo que “possuíamos”. Estamos aí, de frente aos nossos piores medos, na iminência de sermos cobrados por uma dívida que sempre tivemos e que sempre teremos.
A conversão, como resposta a uma situação de crise, de dor, tem o poder de apresentar a solução perfeita para esse terrível destino. O ato da conversão tem o poder de, através do Cristo, limpar todo o nosso pecado. Este Jesus, filho do Homem, tem a capacidade de nos guiar pelo caminho que leva ao amor total do Pai. Ele dá rumo e preenche a vida, até então vazia, porém repleta de culpa, que por sua vez, não mais tem razão de ser.
Ao deixar claras as definições e as conexões entre as palavras “culpa”, “vazio”, “conversão”, Rubem Alves fala sobre o que vem depois desse momento especial e singular em nossas vidas. Um novo mundo se abre para nós, todas as excitações voltam- se para essa nova maneira de ver e de “fazer” o mundo, somos novas criaturas, novos seres.
Em seguida percebemos que fazemos parte de uma consciência coletiva, somos partes de um corpo, de um sistema, e, como todo sistema, esse também tem regras e leis. Aí surgem as primeiras racionalizações. O que antes era um labirinto de emoções e expectativas (esperanças?), agora, lentamente, ou pelo menos aos domingos, começa a se transformar em um caminho, que não é uma linha reta, mas desafiador em direção a um mundo de doutrinas, mandamentos, da Lei, mas com o compromisso de não nos esquecermos daquele sentimento mágico no momento inicial, aquele fervor e alegria que nos preencheram no primeiro dia, experiências que talvez possamos chamar de fé.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

o que é bom?

O que é bom?
Ser humano nunca está satisfeito.
Se perguntarmos a um rico ele vai dizer que é ruim ser rico porque com muito dinheiro vem muitos problemas. Se perguntarmos a um famoso ele vai dizer que é ruim ser famoso porque a privacidade se vai com a chegada da fama. Se perguntarmos ao papa ele vai dizer que o ruim de ser papa é ser velho. Se perguntarmos ao escritor ele vai dizer que é ruim ser escritor porque não se ganha dinheiro. Se perguntarmos a um pobre ele vai dizer que é ruim ser pobre é que não se tem dinheiro para nada. Se perguntarmos a Obama ele vai dizer que o ruim em ser presidente é ter o seu traseiro caçado por terroristas o tempo todo. Ao Osama, ele vai dizer que os americanos estão na cola dele. Se perguntarmos a um professor ele vai dizer que os alunos relapsos são a parte ruim de ensinar. Ele também vai dizer que o salário não ajuda, se for um professor que se preze. Se perguntarmos ao Dalai Lama ele vai dizer que o ruim da profissão dele é a intolerância. Se perguntarmos ao lixeiro ele vai dizer que o ruim é o lixo. Se perguntarmos ao garçom de restaurante cinco estrelas, ele vai dizer que o ruim na profissão dele são os clientes. Dependendo do garçom, pelo menos os clientes que não dão gorjetas tão grandes quanto sua soberba. Se perguntarmos ao dono da sorveteria que pode comer quanto sorvete ele aguentar, na hora que quiser, ele vai dizer que o ruim no sorvete é a quantidade. À comissária de bordo bonitinha, que viaja o mundo todo, ela vai dizer que não consegue arrumar um namorado sério. Por que será? Se perguntarmos ao bonito ele dirá que não aguenta mais ser assediado por mulheres vazias, porém lindas (ou lindas, porém vazias). Se perguntarmos ao feio ele vai dizer que só consegue feia. O ruim mesmo em ser feio, na maioria das vezes é ser legal e inteligente. O funcionário público, estável na “carreira” dirá que não tem mais objetivos na vida. Sabe, desafios? Ao desempregado, ele vai dizer que o problema é a falta de oportunidade. Ao que tem três empregos, ele vai dizer que não consegue tempo para a família. A dona de casa vai dizer que o ruim é o marido. O marido vai dizer que o ruim é a esposa. Os filhos vão dizer que o ruim de ser filho é não poder dirigir o carro do pai. O empresário dirá que o ruim são os impostos, e o governo vai dizer que o problema são as dívidas herdadas da gestão anterior (como sempre). Até o marajá. Ele vai dizer que o ruim de ser trilhardário é o preço do barril de petróleo.
Tudo tem seu lado bom, mas o lado ruim às vezes é mais interessante. Faz a gente se sentir menos mal com os problemas alheios. Os nossos problemas são sempre os piores, mas os dos outros são mais fáceis de falar sobre. E você, qual o seu problema?

cruzamentos

Cruzamentos
O agricultor meche com a terra.
O que mais ela pode nos dar?
O mineiro escava por ouro.
Quanto ouro ele pode conseguir?
O motorista quer chegar logo em casa.
O que esperar do motorista?
A chuva vem chegando.
Quantos vão embora com a água?
O trânsito nunca vai parar.
Quando ele vai parar?
A cidade cresce.
Até que tamanho ela vai chegar?
O médico cura.
Quantos ele livrará da morte?
Por que sentir pena de alguém que morre?
Para muitos seria pura e simples liberdade.
O matador tira a vida por um preço.
Qual o preço do matador?
O ser humano é mau por natureza. Tirano, cruel, egoísta, dominador, caridoso.
Auto-destruição ou auto-postergação?
A natureza é grandiosa.
Ela se vingará um dia?
O mar sobe, o rio sobe, o lago desaparece, o açude seca.
O sacerdote fala ao povo.
Será salvo quem não sabe o que é Salvação?

Meu café tá sem açúcar

Meu café tá sem açúcar
Minha conta tá vazia
Minha gaveta tá cheia
de esperança e anestesia

Meu pé tá frio
Meu pai não tá aqui
O medo é companheiro
O jogo tá aí

Tô no sol, não tô na sombra
Não tenho lenço, não tenho tempo
Tô saindo ou tô entrando?
Tô na esquina, não tenho mais honra

Minha mãe saiu
Tô sozinho em casa
Ela ainda não voltou
E se o mocinho for bandido...?

E meu café tá sem açúcar



deserto

A quase ausência de sua sombra na areia indicava que o sol estava a pino. Já havia caminhado no mínimo seis horas sem parar, pois tinha visto o sol nascer naquela imensidão de dunas. As únicas coisas que o faziam lembrar-se de estar vivo eram o vento quente, a sede e a saudade daquelas margueritas que Don Claudio servia no bar. Era mais provável ser avistado por abutres ou outros predadores esperançosos do que por algum avião ou outro transporte que pudesse tirá-lo de lá, já que ninguém sabia que iria fazer essa viajem. Arrependia-se até o último fio de cabelo de ter entrado na situação, mas não podia fazer nada. A culpa era toda sua, havia planejado o roteiro com um ano de antecedência, comprado as passagens e tirado passaporte e visto. Tudo para realizar um sonho, não sabia que ia dar tão errado, também, quais as chances de o piloto do pequeno bimotor ter um ataque do coração e logo após o co-piloto morrer do coração por causa da morte súbita do piloto?
Caíra em algum lugar no deserto. Já não agüentava mais andar, fez as pazes com Deus, ou com quem estivesse disponível no momento, assistiu todo o filme sobre sua vida e com reprise. Deitou na areia, já não tão quente, caminhara o dia todo. Somente aguardava pelo chamado dela, a que todos chamam de morte.
Deitado no chão viu um escorpião sair de um buraco e vir em sua direção. Pensou “é agora”, mas o escorpião nem notou a sua presença. O que fazer?
Pensou em tudo o que fizera até então (mais nas boas ações) e em tudo que queria ter feito (inventou algumas coisas na hora). Esperou mais um pouco, agora uma víbora do deserto saía de sua toca. Chegou bem perto, olhou, cheirou e entrou na mesma toca que saíra.
Pensou no bar, no dinheiro que economizara para a viagem, “se tivesse gasto todo o dinheiro em bebida e mulheres não estaria nessa situação”. Agora já podia ver dois urubus, ou seria abutres, algo assim. Sabia que eles não atacavam, só esperavam a presa morrer e podiam cair na carne. Não estava morto ainda, mas tinha o consolo de que seria logo. Como seria?
Pensou em sua família, quer dizer os parentes que já não via há muito tempo. A mãe era doméstica, mas não queria mudar de vida. Não aceitou as propostas de vir morar com ele na cobertura. Os dois irmãos moravam a cinco mil quilômetros com suas respectivas famílias. Foi o único que ainda não tinha gerado herdeiros, sua mãe o cobrava muito por isso. “Preciso pensar um pouco mais na minha vida antes de ter um filho”, vivia dizendo à mãe e a todos que perguntavam. Os abutres foram embora. Parece que sua espera pelo fim seria mais longa do que imaginava.
Pensou em sua quase esposa, haviam sido noivos por quatro anos, não deu certo, ele trabalhava demais, ela disse que o largou por que ele trabalhava demais.
Anoiteceu, ainda estava deitado na areia, agora fria, pensando se demoraria muito para cair no sono eterno. Em momento algum pensou se haveria ou não vida após a morte. Agora veio o frio. O frio dói, sofreu. Considerou a hipótese de morrer de frio. Nesse momento lhe veio sua imagem aceitando a proposta da multinacional. Ganharia dez vezes mais trabalhando duas vezes menos, seu coração acelerou só com a lembrança, deu um suspiro.
Levantou, recompôs-se (não restava muita coisa). Sentou novamente, sentiu-se leve, aliviado, não sabia a razão. Lembrou que havia sido demitido da multinacional e processado. Deixara-se corromper. A viagem seria um recomeço. Uma vida nova. Havia quitado todos os seus débitos. Sorriu mais uma vez. O sol já vinha alto.
Dormiu novamente.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

“Brasil, mostra a tua cara!”

É a lei do mais forte
O Brasil é do esperto
É a lei do que queima
É a lei do que manda
É a lei do que pode
Disso pode estar certo

Entre sem dar seta
Ultrapasse pela direita
Mate o pedestre, o ciclista, o outro motorista, a família
Beba, beba, até cair
Aí sim, vá dirigir

Dirija ao celular
Estacione na vaga de deficiente,
Pegue a senha preferencial para não esperar

-Esta senha é para atendimento preferencial, você é idosa?
-Não, estou grávida.

Como dizer não?

Passe por cima dos outros, você não precisa se importar
O outro não está lá, não precisa nem olhar

Sim ao fácil
Não ao difícil
O que eu levo nessa?
É isso que interessa

Ensine seu filho a matar e abusar de animais indefesos
Deixe-os fazer o que quiserem
Você não tem tempo
Quem sabe no futuro ele seja como você
O espelho do pai
“Esse é o meu garoto”

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

SISTEMA 2

Hoje ela não vai trabalhar... Ou vai?
Acordou com dificuldades às seis e meia por causa de um certo despertador na mesa de cabeceira. Olhou pela janela, o sol já dizendo, “oi, hoje vou torrar vocês”, o dia dava sinais de ser maravilhoso. Enfiou a cabeça no travesseiro, desanimada. Ativou a função soneca, o que lhe daria preciosos nove minutos a mais de sono.
A praia deve estar ótima, pensou. O que aconteceria se eu não fosse trabalhar hoje? Não, não. Não dá, nunca faltei ao serviço. Já estou na empresa há quase dez anos. As pessoas precisam de mim lá. Meus colegas, meus clientes, meu chefe. Precisam de mim. Não posso deixá-los na mão.
Se bem que, com esse sol, a praia com certeza está ótima. Os surfistas, lindos, corpos perfeitos. Ái! Estou precisando fazer uma dieta. Já sei, ano que vem faço uma lipo. É isso, vou à praia. Não vou trabalhar. Mas antes preciso passar no shopping e comprar um biquíni.
Ai meu Deus! Não posso ir à praia. Tenho uma ligação complicada para fazer no escritório. Preciso visitar um cliente importante. Só eu posso fazer essa venda.
Bom, minha comissão é baixa. Estou indo muito bem nas vendas, modéstia a parte. Vendi muito bem mês passado. Se deixar de vender alguma coisa hoje, não vou ter problema, ninguém vai morrer se eu não for trabalhar um dia.
Gente, o que eu estou pensando?! Não posso fazer isso. Tenho responsabilidades, pessoas dependem de mim. O que vou dizer? “Chefe, não vim trabalhar ontem porque a praia estava linda e eu tive que ir.” Não dá. Não posso fazer isso assim. Não assim.
Ah, posso ligar e dizer que estou me sentindo mal. Vou ficar em casa, deitada, não estou bem. Vomitando, febre, indisposição. Não tenho condições. Pronto. Praia, aí vou eu!
Essa não! Nunca menti pro meu chefe. A única vez que fiquei doente foi pra valer. Eu estava no serviço, tive um mal súbito e tive que ser levada pro hospital. Foi horrível. Todo mundo ficou me olhando. Odeio chamar a atenção. Não quero as pessoas falando de mim. O que vão dizer? Vão espalhar fofocas a meu respeito. Dizer que matei o serviço, que sou relapsa, que sempre faço isso, que deixo as pessoas na mão. Não tem jeito. Vou colocar o uniforme.
Sete horas.
Essa não! O que eu faço? Já está na hora. Preciso decidir. Ou me arrumo pro serviço, ou tenho que ligar para a empresa. Aí que dúvida! Nove horas de praia ou nove horas de escritório?
Toca o telefone.
-Alô.
-Oi, tudo bem? Precisamos que você venha pro escritório mais cedo hoje, é possível? O chefe está doente e não veio trabalhar. Precisamos que você assuma o escritório hoje.
Todos os pensamentos possíveis passam por sua cabeça. “Só pode ser intervenção divina! Eles precisam de mim. Estou indo.”
-Hum.
Espera aí. Estou na empresa há quase dez anos. Nunca ganhei um aumento. Sempre que o chefe falta, eu assumo seu lugar. Mas eu mesmo nunca faltei. Sempre faço hora extra, sempre me mandam fazer coisas que eu não sou paga para fazer e faço, sem problemas. Não pode ser assim! Não vai ser assim desta vez.
-O escritório vai pegar fogo hoje. As vendas vão decolar.
-Só um momento.
Estou querendo comprar meu carro já faz tempo. Preciso de dinheiro. Vamos vender! Vou pro escritório.
-Ah tá. Sim, só um minuto.
-Não demora, precisamos de você.
Por outro lado, dinheiro nenhum no mundo paga uma folga como essa, num dia de semana. Sol, praia, surfistas, água de coco, mar, praia, surfistas... Aahhhhhhhh!
-Não posso ir trabalhar hoje!
-O quê?!
-Não posso ir trabalhar hoje. Acordei muito mal, vomitando, febre. Acho que estou com dengue.
-Sério?!
-Sim, estou mal.
-Nossa! Que coisa! Bom, então, melhoras. Vai se cuidar. Ver um médico.
-Obrigada. Amanhã, espero estar de volta.
Estava feito.
Foi à praia.
Umas duas horas depois, na praia:
Ai que dia! Que praia, que tudo!
Estendeu sua toalha na areia e sentou. Tirou o bronzeador da bolsa.
Espera aí! Quem é aquele saindo da água. Está vindo pra cá. Não pode ser!
-Oi!
-Oi chefe! Que coisa...você por aqui?
-Ah sim. Você também está “doente”?
Pronto, agora sim, sou demitida. Por justa causa. E na praia.
-Ai, chefe. Não sei o que dizer. Sei que cometi um erro. Disse pro pessoal do escritório que estava doente e vim para cá. Desculpa, o dia está realmente lindo e eu nunca faltei um dia de trabalho sequer. Não aguentei. Não resisti à tentação.
-Deixa disso. Não tem problema. Também estou “doente”. Não aguentaria aquele escritório num dia como hoje. Acho que teria um ataque dos nervos. Venha, vamos sentar e tomar uma água de côco, e depois tomar um banho de mar. Amanhã conversamos sobre trabalho.
No dia seguinte.
-Bom dia, chefe.
-Bom dia! Como foi a praia?
Risos.
-Não fala assim, chefe. As pessoas podem ouvir.
-Não tem problema. Você está demitida mesmo.